O vício de falar difícil

Existe um preconceito que diz que: quem fala difícil quer parecer mais inteligente.

Entenda falar difícil como: usar termos técnicos, se preocupar demais com a gramática correta, ausência de gírias, e frases muito longas. 

Por exemplo:

Falar difícil é uma abordagem de pessoas que se valem de expressões técnicas, utilizam a norma culta da língua portuguesa, se mantém afastadas de dialetos culturais e costumam ser prolixas. 

Havia uma regra inconsciente dominando o imaginário coletivo dos intelectuais do passado, que os faziam acreditar, sem refletir sobre o assunto, de que falar complicado e sem erros era uma forma de proteção.

Era como o código de uma tribo, uma marca de autoridade por fazer parte dela. Ser muito óbvio na forma de falar, era dar acesso a pessoas que não tiveram o mesmo esforço para pertencer.  

Em alguns casos, era até intencional a fala (ou escrita) mais caprichada, para evitar qualquer tipo de contra-argumento, pois o público desconhecia o real significado.

A medicina até hoje usa e abusa dessa forma de expressão. Eybl Björn, em seu livro “As causas emocionais das doenças”, fala sobre esse assunto:

“Não seria mais honesto dizer “inflamação das articulações” em vez de “artrite idiopática juvenil”? De fato, seria mais honesto, mas o que se deve responder ao paciente se este perguntar pela causa da “inflamação das articulações”? – Admitir que não se sabe?
Com “artrite idiopática juvenil” é mais fácil para mim: posso responder que se trata de uma “doença autoimune”. Se ainda não estiver satisfeito, explico-lhe o efeito dos “imunocomplexos no sistema reticuloendotelial”.”  

Do mesmo modo, qualquer um que dominasse regras específicas do Direito, Letras, Psicologia, Sociologia, Política, Filosofia, entre outras, podia usar de expressões comuns à sua “bolha”, ao seu meio, não tanto para parecer inteligentes, mas para pertencer ao grupo. 

A Google desconstruiu o castelo de cartas de algumas tribos. Médicos passaram a reclamar das pesquisas que seus pacientes faziam sobre o diagnóstico na internet. A questão que poucos se atentam é que se a linguagem fosse mais clara não seria necessário buscar entendê-la em outro lugar.

Isso vale para advogados e políticos. Os plenários da Câmara e Senado, por exemplo, são recheados de discursos que só são entendíveis dentro daquela realidade, o que permite  aprovar leis que o eleitor sequer desconfia do quão prejudiciais podem ser. 

Todas as outras esferas de comunicação, contudo, precisaram se adaptar – sem direito a reclamar –  a uma nova realidade que emergiu com o boom do Marketing Digital, iniciado por volta dos anos 90.

Com cada vez mais informações disponíveis na internet, logo os responsáveis pelos bastidores da máquina digital perceberam que a linguagem mais simples atingia um público maior.

Daí a fama de inteligente de quem falava difícil começou a ficar fora de moda, porque as pessoas passaram a ter acesso a formas mais descontraídas e leves de tratar diversos assuntos, sem que quem o fizesse perdesse sua autoridade por causa disso. 

É de se pensar por que médicos, políticos e advogados permanecem impávidos com suas falas repletas de termos em latim e excessivo uso de pronomes (vossa senhoria entende o que lhes digo), sem que ninguém torça o nariz contra eles dizendo, “ain, como você fala difícil”! Qual seria o impacto de entendermos claramente os seus posicionamentos?

Contra outras categorias, criou-se um preconceito devido ao uso da chamada “norma culta da língua portuguesa”. Já vivi esse problema de falar difícil, até hoje faço um exercício constante de empatia.

Como dizia Elton Euler, o que falamos precisa ser de fácil entendimento para o Tião da padaria! Sem dúvidas, é preciso sair das bolhas as quais pertencemos ao longo da vida, seja escola, universidade, igreja, partidos políticos, empresas ou até mesmo as redes sociais e buscarmos ser compreendidos.

No entanto, não devemos limitar nosso jeito de comunicar para atender a todos os insatisfeitos. Devemos, sim, adequá-la a quem precisa e quer ter acesso ao que temos a dizer, e que podem tirar mais proveito quando nos expressamos de forma clara e direta.  

Não é verdade que todos que têm o vício do “tecniquês” são arrogantes e querem destacar sua inteligência. Grande parte apenas assimilou uma narrativa, uma crença coletiva, que por muito tempo fez sentido. 

A crença atual diz o contrário, e também faz sentido. Ou seja, não perdemos autoridade ao simplificar e compartilhar o conhecimento.

Quanto mais entendemos quem é a pessoa que precisa assimilar o que dizemos, para o próprio bem dela e da comunicação que travamos, melhor para alinhar a mensagem. 

E quanto mais nos conhecemos, e abrimos mão dos rótulos modernos e da necessidade de proteção escondida por trás deles, tudo fica mais simples!

Não é fácil nem rápido, mas é uma jornada que vale o esforço! 

PS: Esse texto é uma adaptação de um dos capítulos do meu novo livro. Escrevi umas 85 versões até deixá-lo o mais simples possível. E sei que daqui algumas semanas conseguirei deixá-lo ainda mais. Porém, uma coisa tenho certeza: quem precisa ler essa mensagem foi capaz de entendê-la, pois eu sei quem você é, e o que você sente; foi pra você toda minha dedicação!

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